100 anos de vida(s): Fernando Pinto

Sem Título

Entrei nas Oficinas de S. José a 1963 com 7 anos.

Vim para a Instituição porque sendo de Resende, a mãe faleceu e o pai abandonou o lar com 5 filhos. Os 3 rapazes vieram para Guimarães. As irmãs foram uma com o pai e outra ficou com o pai.

Uma senhora rica de Resende tentou integrá-los na Casa Pia, mas como não havia vagas, vieram para Guimarães.

Estive dos 8 aos 18 e a partir dos 18 fui operário tipógrafo.

Saí para outra gráfica.

Antigamente havia várias oficinas, começando pela alfaiataria mas depois fui para a tipografia. Aliás os meus irmãos que eram todos tipógrafos, aconselharam-me a seguir a tipografia porque era a que dava mais saída profissional.

Sobre o funcionamento da casa, acho que havia muito rigor.

Apanhei as freiras e padres, com muito rigor, embora reconheça que tudo o que é a sua formação foi obtida nesta casa.

Face à rigidez exagerada porque passamos, reconheço que alguma faz falta porque se passou do 8 para o 80.

Todas as atividades internas eram feitas pelos alunos desde a limpeza normal até às limpezas mais gerais.

Sobre peripécias passadas lembro que não passei frio nem fome, mas havia coisas disparatadas. Tínhamos na refeição a sopa, o prato e o pão. Então peguei no pão e guardei-o para a tarde. A certa altura fui apanhado e levei uma tareia.

Nunca senti que naquela altura se fizesse a apologia do Estado Novo ou, o fizeram não deu por ela dado que não entendia nada de política.

Lembro-me muito bem da insistência em incutir nos alunos os ensinamentos católicos, com missa todos os dias, terço e orações a muitas horas, de tal maneira que digo por brincadeira às minhas filhas que já tenho missas para toda a vida.

Não sei se o Centro Juvenil perdeu a sua vertente religiosa, não quero falar porque não conheço, mas suponho que não haverá a mesma insistência do antigamente. Embora tenha ligação ao Centro Juvenil, no entanto não procuro saber essas coisas.

No entanto se comparar as instalações do Centro Juvenil com as do meu tempo, o Centro Juvenil é um autêntico hotel. E, sem qualquer dúvida hoje as crianças tem muito melhores condições, sem qualquer tipo de comparação.

Sobre diferenças entre o meu tempo e o tempo atual, falo principalmente pelo que ouço. No meu tempo vinham os meninos que estavam abandonados, sem pais. Hoje pelo que ouço já entram para o Centro Juvenil jovens que já entram com certa idade e já com alguns vícios, considerando essa atitude um disparate, que pode trazer dificuldades à Instituição.

Penso que as pessoas de Guimarães têm a noção do que são as Oficinas de S. José.

No meu tempo havia 120 alunos e de Guimarães eram apenas 20 ou 30. Os outros eram de fora porque as pessoas de Guimarães não queriam cá os filhos, porque diziam que aqui se vivia mal, o que era uma pura mentira.

De facto vivia-se com dificuldades e rigidez, mas havia valores que nos serviram muito para a vida. A maioria das pessoas que saiu daqui saiu com a sua profissão.

Sobre o que levei para o meu futuro, são os valores que ainda hoje sigo e procurei transmitir às minhas filhas, não com pancada, mas com a experiência e o seu exemplo. Felizmente são duas filhas maravilhosas, que seguiram os valores que tentei incutir-lhes.

Sobre a importância da Instituição para a sociedade penso que que fazem falta à sociedade mas de forma a que as crianças venham não apenas para serem abrigadas, mas principalmente para lhes serem dados valores que nas suas casas não tem.

Ao ver algumas fotografias recordo vários colegas mas que de momento desconheço o paradeiro.

Participei nas camadas jovens do Vitória e estive lá até aos seniores. É importante referir que nessa altura já havia facilidades para participar nas atividades organizadas pelo Vitória.

 Não era habitual irmos a casa ao fim de semana. Saiamos todos juntos, com roupa toda igual e íamos ao futebol.

Numa destas fotos reconheço o Dr. Marta que revolucionou um pedaço a instituição.

É com ele que acabam as fardas. Todos tínhamos um fato diferente. Apenas havia fardas para a Banda de Música, mas mesmo essa era um simples fato azul.

Pediu chuteiras e bolas ao Benfica porque até aí jogávamos descalços. Reconheço ainda o meu irmão mais velho, o José Luis Caquinhos…

Gosto muito de jogar futebol de tal forma que ainda hoje estou ligado ao futebol. Lembro-me de em miúdo assistir aos jogos da seleção, pela televisão.

Lembro que os excelentes profissionais de tipografia que existiam na cidade de Guimarães foram alunos nas Oficinas de S. José.

Recordo com saudade do Pe. Carlos Mesquita pela sua bondade e forma de educar.

Um dia fomos às laranjas e o Pe. Mesquita viu-nos e chamou-nos para nos admoestar. Chamou-nos a atenção para o que estávamos a fazer e foi a uma caixa onde tinha rebuçados, deu-nos e recomendou-nos que não o voltássemos a fazer. Era um método totalmente diferente de educar do anterior sacerdote que por tudo e por nada batia.

Recordo com muita saudade e quero destacar o papel de uma pessoa, que, sendo funcionária da casa, aproveito para agradecer a todas as pessoas que trabalharam com eles, mas quero destacar a D. Birinha, que sendo funcionária da casa, era uma mãe para os alunos. Foi uma pessoa que mexeu com todos os alunos desse tempo, pelo seu carinho, pela sua bondade. Era a mãe que os alunos não tinham.

Frequentávamos a casa dela, conheci a minha mulher na casa dela e estou-lhe eternamente grato por tudo o que fez por nós.