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100 anos de vida(s): Manuel Miranda

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Manuel Miranda tem 80 anos e foi das primeiras crianças a ser acolhidas pelas Oficinas de São José. Hoje, conta-nos a sua experiência.

“Entrei para as Oficinas já grandito. Era malandro e era difícil entrar nas Oficinas de S. José. Como era filho de pai incógnito a minha mãe procurou encaixar-me.

Quando já tinha 12 anos queria ir para a Escola. Os meus avós diziam que só ia para a Escola quem não quisesse trabalhar.

Entrei para as Oficinas em Junho de 1946 e saí em 18 de Agosto de 1952.

Nunca cheguei a trabalhar nas Oficinas.

A casa era gerida pelo Pe. Domingos mais tarde D. Domingos, um cristão fora de série um pregador que arrastava multidões, levava tudo atrás dele com a sua voz.

Quando ele foi para bispo em 1948, entraram novos padres nomeadamente o Pe. António Ribeiro, de Silvares.

A partir daí começou a haver destruição do património da casa. Quando o Pe. Domingos precisava de comprar alguma coisa dirigia-se ao escritório onde estava um colega nosso: “Preciso de comprar, manda o moço de recados e dá-lhe dinheiro.” Ele nunca sabia quanto havia nos bancos, quem sabia éramos nós.. Nessa altura havia reservas no banco.

O novo Padre veio ganhar um ordenado não havendo o mesmo amor do Padre Domingos.

Tudo o que ganhava tudo metia ali. Quando foi embora disse que nos levava no seu coração e tudo o que tinha ficava nas Oficinas. Despediu-se um por um e éramos já 110.

Quando ele foi embora eu já tinha 15 ou 16 anos, deixando-nos responsáveis pelos mais novos. Disse-nos vou para a Guarda e fica cá tudo, mas deixai-me levar pelo menos a roupa interior que essa ninguém ma vai dar. Como era grande pregador davam dinheiro, géneros, peças de pano para nos fazer roupa. E quase tudo anónimo.

Antes das orações da noite chamava-nos para agradecer tudo o que no dia nos tinha sido entregue. Gostava muito dele.

A partir daí o novo padre puxou para si a parte financeira não tendo os alunos qualquer conhecimento. Começou a haver grandes dificuldades financeiras.

Um dia fomos comprar uma carpete muito bonita para a capela em veludo, muito bonita. Quando chegamos ele ralhou-nos e mandou-nos buscar uma carpete mais barata.

Disse-lhe que ele estava a agir mal e ele deu-me ordem de saída.

Nunca fiquei ligado à casa pelo menos enquanto esse Padre cá esteve.

Depois houve novas direções que geriram melhor.

As rotinas estavam relacionadas com a religião católica.

Os alunos estavam divididos em pequenos, médios e grandes. Os pequenos levantavam-se às 7.30 e os mais velhos às 6.30. Iam para a missa às 8 e às 8.30 tomavam o pequeno almoço. Os que tinham escola iam para a escola,  os outros iam para as artes.

As Oficinas tinham várias artes. Comecei como alfaiate, mas ao fim de um mês ou dois vi que não era para mim. Depois fui para carpinteiro. Também não segui porque vi os tipógrafos que levavam uma melhor vida. Aprendi composição, impressão e encadernação. Tive ainda o privilégio de conhecer o A.L. de Carvalho que era um escritor de Guimarães que até tem uma praça com o seu nome. Ele a ditar e eu a compôr os tipos, para um livro “Guimarães de tempos idos…” que quando fazia o pagamento oferecia 100 ou 200 livros que vendiamos para arranjar verbas para a casa.

Quando saí não segui a arte de tipógrafo. O destino está traçado. Como não segui a tipografia tive mais dificuldades pois se fosse tipógrafo era mais fácil dado que os tipógrafos eram muito conceituados e pretendidos.

Houve alguém que disse, o padrasto “não vais fazer qualquer trabalho. Sabes ler e escrever bem e não vais andar a sujar as mãos nas tintas”.

Um tio tinha uma loja, um bar nocturno que o levou para lá onde comia e dormia e não dava despesa em casa. No entanto senti que aquilo não era para mim pois o ambiente não era o melhor.

A seguir fui para a Pensão da Montanha da Penha a vender copos de vinho. Vinha uma senhora do Porto que me ofereceu emprego no Porto, numa mercearia boa, com 22 empregados.

Como ia fazer as entregas dos produtos um cliente que tinha uma drogaria ofereceu-me emprego, dando-me o dobro do ordenado.

Sobre a forma como a Instituição era vista no exterior, afirma que dentro da casa havia uma boa formação, sem qualquer política. Respeitar para ser respeitado.

Como acabei por me estabelecer na actividade comercial visitei muitos países e trouxe alguns ensinamentos que colhi nessas andanças.

As casas como as Oficinas de S. José podem perfeitamente viver em democracia. Não é um mosquete que faz mal a um miúdo se for para o formar.

Não conheço muito bem o funcionamento da casa. Pelo que me dizem quem quer estudar, estuda, quer quer trabalhar trabalha mas também quem não quiser fazer nada, nada faz. Ora isso não está certo. Esses meninos não tem futuro.

As crianças precisam de ser preparadas logo muito cedo.

Quando uma criança chegava, o Padre Domingos recebia-os e todos vivíamos como irmãos.

Sobre a parte religiosa acho que se perdeu alguma coisa, defendo que se deve explicar muito bem a religião católica porque se isso for feito, eles seguem-na.

As instituições como o Centro Juvenil são muito importantes porque as pessoas hoje trabalham muito e muitas vezes não há tempo para cuidar dos filhos.

Estas casas poderiam ser mais intervenientes na educação das crianças.

Das Oficinas de S. José recebi tudo o que fez de mim o homem que sou.

Se tenho valores, uma vida estabilizada a esta casa o devo. Tudo o que sou às Oficinas de S.José o devo.

O património que hoje tenho, 4 filhas, 6 netos tem a ver com a formação que recebi nas Oficinas de S. José, e, apelo aos governos para que não retirem às Oficinas de S. José a capacidade de educar e formar a juventude.”

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